Onde Mora a Paz
- rannison rodrigues
- 29 de ago. de 2021
- 4 min de leitura

Às vezes te parece difícil estar dentro de si? Parece que as coisas vão te puxando para fora, para longe? A irritação com o motorista da frente, as notificações do telefone, o atraso para um compromisso ou quando somos injustiçados, por exemplo. Subitamente, nosso centro de atenção se desloca. Parece que a gente se ausenta de si e vai viver numa outra realidade.
É tão fácil ir pra fora, que tenho a opinião de que fazemos todo o possível para nos manter por lá e nos acostumamos com isso. Usamos qualquer álibi para conseguir permanecer exilados de nós mesmos, na verdade. Porque esse espaço interno se tornou terra de ninguém. Nos é tão estranho e tão inóspito, que é mais seguro e mais interessante ficar no que é externo.
Lembro que há algum tempo atrás, decidi mudar de emprego, pegar alguns dias e fazer o que chamei de "micro sabático". Depois de um tempo no projeto, comentei com um amigo. Ele, ao me ouvir falar sobre o plano, automaticamente, perguntou: "E você tá pensando em viajar para onde?", fiquei em silêncio alguns instantes e respondi "Pra dentro". Ele achou estranho, claro. Mas, eu não me importei. Era exatamente aonde eu queria ir.
Hoje me peguei pensando nisso: Por que nos deixamos ser extraditados de nós mesmos pelas distrações, pelas bobagens da vida? E daí que o motorista da frente está no celular travando todo o trânsito atrás dele? E daí que alguém foi injusto com você? Essas coisas não têm autoridade sobre a sua integridade, sobre a sua atitude. Só nós temos. Sair de si para estar nessas externalidades é uma opção inteiramente nossa.
E acho que, com o tempo, vai sendo mais difícil retornar. Como um imigrante que ficou demasiado fora do próprio país e não consegue mais se imaginar vivendo nele. O preço desse afastamento é o esquecimento. E o resultado desse esquecimento é o vazio. Vamos perdendo o contato com o que é realmente capaz de nos tocar a alma. Ficamos detidos nas pequenezas.
Sábado fui ver o David, meu filho. Moro em São Paulo e ele vive com a mãe em Campinas. Chovia muito. Ao sair do carro para a rua, que é numa ladeira, havia uma pequena corredeira se formando. Saí o mais rápido possível, com cuidado para não me molhar mais do que o necessário. Foi então que, um SUV passou ao lado numa velocidade flagrantemente excessiva para a via. Jogou água em mim, é claro, e tenho certeza de que me viu ali e viu a quantidade de água na rua.
Minha reação instintiva, curiosamente, foi: "Até que a água não está tão fria." Não senti raiva, não quis xinga-lo, não me senti ofendido. A ação dele é de responsabilidade dele, a minha, no entanto, é totalmente minha. E eu escolhi não me ofender com aquilo. Algumas gotas d'água não têm o poder de me extraditar de mim mesmo. Alguns minutos depois, meu garotinho estava brincando comigo. E eu estava dentro de mim mesmo, ali com ele.
E não é que eu seja um monge. Há algum tempo atrás, tenho certeza de que inventaria palavrões em línguas que ainda nem existem para descarregar minha fúria. Mas é que de um tempo para cá, tenho me disciplinado a ser apenas eu mesmo. E isso passa por não deixar os fatores externos determinarem como eu reajo.
Se me oferecem o mal, não reajo com o mal. Não é isso que eu quero expressar no mundo. Se me sinto cansado ou triste, me lembro de porque faço o que faço, e avanço como dá, mesmo que não tenha toda a motivação do mundo naquele momento. É que agora, está dentro, não fora. Agora há uma visão do que me orienta, do que me dá sentido. Agora eu sei o que quero ser, expressar e dar.
Por isso, mesmo que os dias sejam difíceis, enervantes e até molhados, eu não me permito ficar tempo demais longe de mim mesmo. Porque preciso de mim para estar com o David, com o meu trabalho, com quem eu amo. E há certos tipos de ideias, de aspirações que só se aproximam da gente quando estamos em nós. E, pelo menos para mim, isso vale uma vida inteira.
Tanto quanto você, o mundo me chama para fora o tempo todo e é impossível não atender o chamado. Mas descobri que lhe cabe a escolha de fazer isso nos seus próprios termos. Muita gente diz que a vida é "matar um leão por dia.", mas pouca gente diz que esses leões estão, principalmente, dentro de nós. A batalha mais difícil de vencer é uma luta interna. Nós contra nós mesmos.
Talvez fosse isso quando Ghandi disse que "Não há caminhos para paz, a paz é o caminho". Ou, quem sabe foi o que Chorão quis explicar quando disse que "Um homem quando está em paz, não quer guerra com ninguém.", eu não sei. Só o que sei é que, se há uma vontade há um caminho. E, parece que esse caminho, sempre conduz para dentro. Qual é a sua vontade? Boa segunda!
Que texto bacana Rannison. Você é uma pessoa iluminada. Continue me inspirando e inspirando mais pessoas. Abraços.
Ótima reflexão!
Incrível, tudo que você diz nos textos,cada linha tem emoção, coração, aguardo cada um anciosa!!! Parabéns