top of page

Hired - Capítulo 9: O Método CANN (Como surgiu?)


Agora que já te contei o que é método, acho que vale a pena te explicar como foi estruturada a ideia e como ela foi depurada até se transformar neste conteúdo. Isso porque, para ser bem honesto, ele é o somatório de experiências minhas e de outras pessoas. Parte do que compartilho aqui aprendi fazendo, testando e errando, até entender o que funcionava. Outra parte, porém, é o conhecimento que adquiri por meio dos ensinamentos e experiências de outras pessoas.

Mas, como surgiu a ideia de criar um método como esse? Bem, não é surpresa para ninguém que há muitas formas de acessar informações sobre "como se sair bem em processos seletivos". Existem cursos de entrevista, coach de carreira, empresas de outplacement, etc. Guardados os méritos individuais de cada uma dessas fontes, o aproveitamento delas varia de acordo com o tipo de orientação e perfil de profissional em questão.

Só para se ter um exemplo, já recebi, para minha surpresa, uma profissional da área tributária, que tinha um currículo com uma série de informações falsas. Bom, ao longo da conversa que tivemos, consegui perceber que o conteúdo do currículo não fazia sentido e destoava do discurso dela. Até que, a certa altura da conversa, perguntei a ela se poderíamos conversar em inglês. Ela enrubesceu e disse "Ah, não, por favor. Não me sentiria confortável".

Fiquei muito surpreso. A entrevista tinha sido truncada e pouco produtiva, mas aquilo realmente foi inesperado. Olhei novamente no currículo que tinha comigo e perguntei a ela porque se sentiria desconfortável. Seu currículo informava que falava inglês fluentemente, assim como espanhol. Foi então que ela me contou que tinha sido orientada por uma empresa de recolocação profissional a colocar aquelas informações no currículo, pois assim ficaria mais atrativo. Não tinha gostado e nem entendido porque fazer aquilo, mas, como precisava se recolocar e confiava na orientação dos profissionais da empresa, decidiu seguir a recomendação.

Eu estava no meu primeiro ano como recrutador e aquilo realmente me enfureceu. Mas não fiquei incomodado com a candidata. Claro, ela poderia ter tido um pouco mais de discernimento: um currículo é um documento que precisa conter informações verdadeiras. Não importa se te mandam mentir, você só não mente. Mas, imagine estar desempregado e ser orientado por um "profissional" a fazer aquilo. Você faria?

Bem, eu sei o que eu não faria. Eu não induziria uma pessoa ao erro e ainda cobraria por isso. Já fiz bastante coisa das quais não me orgulho, mas esse tipo de situação realmente me incomoda. E o caso daquela moça, que saiu da entrevista me pedindo desculpas, envergonhada; quase chorando, diria; me tocou bastante. Aquilo não era justo. E esse incômodo com essa história foi a semente da criação do método. Eu, contudo, ainda não sabia.

Mais alguns anos passaram depois daquele dia e conheci a Cris. Marcar uma entrevista com ela tinha sido dureza. Ela era CFO de uma multinacional francesa que estava em expansão e tirá-la do escritório para uma conversa me tomou quase dois meses, mas consegui. Ela foi muito gentil. Não estava aberta a novos projetos na época, mas disse que achava muito importante ter essa relação próxima com recrutadores.

A conversa foi muito agradável e, como sempre, aproveitei para aprender um pouco mais sobre a vida e sobre negócios com aquela mulher extremamente interessante e inteligente. Na época, Cris tinha mais de 100 pessoas sob gestão e reportava para um diretor financeiro global na França. Tinha 3 filhos e estava em meio a uma fase profissional muito produtiva.

3 meses depois, foi demitida. Me ligou no mesmo dia e deu a notícia. Disse que ficou surpresa, mas, com a alegria que lhe era característica, deixou claro que, assim que passasse o baque, estaria disponível para oportunidades que se encaixassem com o perfil profissional dela. Na semana seguinte, ela estava pronta. Por sorte, estava conduzindo processos seletivos que faziam sentido. A convidei para um deles.

Como de costume, investi algum tempo explicando a ela o contexto, o perfil da pessoa com quem conversaria, o que a empresa tinha em mente ao contratar aquela pessoa e quais eram as expectativas de resultado de curto e médio prazo. Ela me ouviu atentamente, agradeceu e disse que parecia que a vaga tinha sido feita para ela. Eu concordava. O perfil era mesmo muito aderente ao que o contratante buscava.

Dos candidatos que apresentei na shortlist, Cris era, provavelmente, a mais experiente e a que tinha passado por situações mais próximas ao que o contratado pela empresa encontraria quando assumisse a posição. Combinamos a agenda de entrevistas e, no dia, hora e local combinados, lá estava ela. Sorridente, como sempre, mas dessa vez, um pouco mais tensa. Não consegui identificar de pronto o motivo. Como ela tinha chegado em cima da hora, achei que pudesse ser isso.

Tratei de recebê-la bem e de explicar que o cliente ainda não havia chegado e, por isso, ela poderia ficar mais à vontade. Minutos depois fui receber o cliente. Achei que a Cris estava mais tranquila e, durante a nossa conversa, ela reforçou mais de uma vez a sua confiança. Sentia que estava pronta. Bem, quando recebi o contratante, mesmo estando atrasado, me pediu alguns minutinhos para repassar o perfil de cada candidato e abriu dizendo que estava impressionado com o perfil de Cris.

"Acho que já temos a nossa contratada, Rannison. Os outros candidatos são realmente interessantes, mas ela foi a que mais gostei. Um currículo impressionante." Saí da sala animado e fui buscar a Cris, que estava em outra sala aguardando a entrevista. Ao chegar comentei com ela que a percepção sobre o seu currículo tinha sido especialmente positiva. Ela abriu um sorriso confiante e me acompanhou até a sala de entrevistas. Ao entrar, começou com um "Bonjour!", ao que o cliente, que era francês, emendou na mesma língua. Ela replicou com o idioma bem fluente e a última coisa que vi foram duas pessoas sorridentes começando uma entrevista. "Aí sim, porra!" pensei comigo mesmo, exultante, antes de retornar às minhas atividades. Em breve, voltaria para conversar com a Cris sobre a experiência e introduzir o próximo candidato na entrevista.

Passados 45 minutos, lá fui eu. Candidato introduzido na entrevista, fui conversar com a Cris. Quando cheguei ela estava olhando o celular, parecendo tranquila. Segundos depois, começamos a conversar e Cris ficou verborrágica, falava e se confundia com as próprias palavras, perguntava uma coisa e respondia, me cortava quando eu tentava falar algo. Enfim, parecia que alguma coisa estava incomodando. Quando perguntei se ela estava bem e como tinha sido a experiência, me deu uma resposta positiva: "Foi tudo ótimo. Adorei ele. Acho que posso contribuir muito."

Mas aquela resposta não casava com a postura natural da Cris, despreocupada, confiante, sorridente. Senti que havia algo que ela não estava me dizendo. E estava certo. Ao final das 4 entrevistas para a posição de CFO, fui conversar com o cliente. Ele estava satisfeito e comentou que avançaria com dois nomes para a conversa com o presidente da empresa. Estava com a agenda apertada, por isso não tinha muito tempo, mas pedi para fazermos um debriefing das entrevistas, pois precisava dar o feedback aos candidatos.

Ele começou me dando parabéns. "Um trrrabalho de verrrrdadje" segundo ele no seu português com sotaque afrancesado. Todos os candidatos o tinham impressionado, afirmou. E seguiria com Fulano e Beltrano. "Ué, mas e a Cris?" pensei comigo mesmo. Ouvi enquanto ele explicava os motivos e o que havia pesado para a decisão. Fazia todo sentido. Mas, ele focou em dizer o que os escolhidos tinham demonstrado de positivo, não falou nada que tivesse sido problemático nas entrevistas dos que não seguiriam no processo.

E aquilo é que não fazia sentido. Agradeci pelo feedback, confirmei que agendaria com os candidatos de acordo com a disponibilidade do presidente e aguardava novidades. Mas, eu não perderia aquela chance por nada. Tive que perguntar: "E a Cris? O que aconteceu, achei que fosse sua preferida.". Ele que já estava de saída, olhou o relógio e me surpreendeu. Voltou a sentar-se e me disse: "Boa pergunta. 'O que aconteceu com a Crrris?'", disse com um sorriso.

Me falou por mais uns bons dez minutos sobre a conversa com ela e como tinha ficado desapontado. Ela tinha um ótimo currículo, disse, mas tinha sido muito vaga nas suas colocações e muito prolixa. Não tinha conseguido explorar com ela coisas como resultados, estratégias empregadas, desafios de gestão de equipe e visão que ela tinha de mercado. Mas acima de tudo, disse que a achou confusa e que não conseguiu entender bem o que ela quis dizer. Afirmou que pensou em prolongar a entrevista, mas que na sua segunda pergunta, Cris gastou mais de 15 minutos para não responder o que ele tinha perguntado e que não parecia que iriam avançar muito, então optou por encerrar a entrevista com aproximadamente 45 minutos.

Achei o feedback muito interessante. Aquilo sim casava com a postura da Cris que eu tinha visto na sala de reunião, pouco antes de nos despedirmos. Arrematou dizendo que a Cris parecia uma profissional excelente, mas a entrevista não tinha sido boa. Uma pena, afirmou. Mas, precisava tomar uma decisão com o que tinha. De toda forma, arrematou ele, ela receberia muitos convites, sem dúvida, e em breve estaria recolocada. Gostei daquele francês. Trabalhamos juntos depois em outros processos seletivos para sua empresa e ele sempre dava feedbacks inteligentes e bem embasados. Mas, ele errou numa coisa: Cris não se recolocou rápido. (Continua Amanhã)


 
 
 

Comments


Since 2021. por Rannison

bottom of page